Em 2007, a Frogwares – estúdio ucraniano famoso pelos seus jogos de Sherlock Holmes – estava lançando um crossover um tanto inusitado, colocando o maior detetive do mundo cara a cara com os mitos de Lovecraft. Por ser um título nichado e exclusivo de PC, Sherlock Holmes: The Awakened passou batido por muita gente e, só agora, 16 anos desde seu lançamento original, está recebendo uma segunda chance (ou terceira, se considerarmos o remaster do primeiro).
Sob o mesmo título, The Awakened enfim recebeu um remake e não poderia ter sido em uma época mais turbulenta para os seus desenvolvedores. O jogo começou a ser desenvolvido no meio da guerra entre Rússia e Ucrânia e precisou de financiamento coletivo para ser finalizado, então nem dá para imaginar os perrengues que essa galera passou para conseguir fazer o projeto ver a luz do dia.
O mais impressionante é que, em apenas um ano, eles conseguiram terminar o jogo e ainda entregar uma experiência totalmente sólida, jogável e divertida. Sherlock Holmes: The Awakened não é apenas um remake que supera expectativas – é praticamente um milagre moderno!
À beira da insanidade
Quem chegou a jogar qualquer jogo do Sherlock Holmes desenvolvido pela Frogwares provavelmente já sabe com o que está lidando aqui, mas The Awakaned se assemelha mais ao seu antecessor, Chapter One, prequel que também foi o último título lançado antes deste. É notável que muito do anterior foi reutilizado aqui, provavelmente por causa das circunstâncias em que foi desenvolvido. Ainda assim, não deixa de ser um jogo único ao seu próprio modo, inclusive trazendo uma quantidade considerável de novidades, se comparado com o original de 2007.
Neste jogo, um Sherlock mais jovem (assim como no Chapter One) começa a investigar uma série de desaparecimentos que estão acontecendo em Londres, o que pouco a pouco vai introduzindo o detetive em conspirações envolvendo cultos sinistros e forças sobrenaturais. Diferente dos outros jogos, que nos colocam para solucionar apenas crimes mais críveis e voltados para a realidade, aqui o surreal toma conta e acompanhamos a mente mais brilhante do mundo perder sua sanidade gradativamente.
O mundo aberto do anterior foi substituído por mapas sandbox, adotando um formato semiaberto que facilita a exploração e nos dá uma falsa sensação de liberdade. Cada capítulo se passa em um lugar diferente e podemos passear pelos cenários livremente, até que aquele trecho da investigação seja devidamente finalizado. Assumo que achei esse formato melhor que o mundo 100% aberto e mais condizente com a proposta, tornando o jogo menos cansativo e mantendo o jogador interessado até o final.
Nesses mapas, você também encontra algumas sidequests que funcionam como casos paralelos, cada um com um pequeno crime ou mistério a ser solucionado. Os métodos envolvem as mesmas atividades que realizamos na investigação principal, mas ainda assim é muito divertido de fazer. A única coisa que achei inexplicável foi o fato de todas essas sidequests estarem sendo vendidas separadamente por DLC, então quem não comprar essa expansão terá apenas as missões da história para jogar, o que não faz nenhum sentido.
Desvendando o sobrenatural
Sherlock Holmes: The Awakened é um jogo de puzzles e exploração, na prática funcionando da mesma forma que os point and click de antigamente (porém sem a parte de apontar e clicar). Não existem momentos de ação ou combate, você só investiga determinadas áreas, busca por itens, interroga pessoas e combina teorias para descobrir seus próximos passos. Não tem nada de complexo nisso, mas é bem feito o suficiente para proporcionar uma satisfação sem igual, sempre fazendo o jogador se sentir “o maior detetive do mundo”.
As mecânicas são simples e, uma vez que você pegar o jeito, não terá dificuldades em nenhum momento. Porém, o jogo não é muito eficaz em explicar cada uma delas em detalhes, o que me fez ficar preso por horas no primeiro capítulo por causa de um detalhe bobo. Para que alguns elementos possam ser investigados, primeiro é necessário abrir seu diário (onde ficam todas as pistas coletadas) e marcar determinados itens para desbloquear os demais no cenário. É um vai e volta desnecessário que está ali só para dificultar o mínimo possível, mas uma vez que consegui descobrir, não travei em mais nenhuma parte.
The Awakened vai até na contramão dos outros títulos da franquia e dá total liberdade para o jogador “errar” à vontade, sem medo de ser punido. Por ter uma história mais linear, na hora de montar teorias no mapa mental ou confrontar pessoas, você pode selecionar a opção errada quantas vezes quiser, pois o jogo sempre dá a oportunidade de recomeçar. Dessa forma, você acaba ficando preguiçoso e começa a juntar as pistas somente na base da tentativa e erro, sem raciocinar o mínimo. Por mais que a parte de investigação seja instigante, o fato do game não ser tão rígido na conclusão das coisas acaba tirando um pouco da graça.
O jogo também não ajuda muito na organização do mapa mental, que apresenta pistas de todos os casos daquele capítulo e não só da história principal. Isso significa que você precisará se encontrar no meio de pontos que também representam elementos das sidequests e não têm importância para o enredo, deixando as coisas meio confusas. Por outro lado, como não somos forçados a acertar a seleção de pistas na hora de organizar os fatos, essa bagunça não nos prejudica em nada (mas não dá para negar que incomoda).
Entretanto, não podemos desmerecer o trabalho da Frogwares neste remake. Por ser um estúdio independente, os gráficos estão bem abaixo dos padrões da atual geração de consoles, mas suficientemente bonitos e com uma performance de primeira, rodando a 60 fps sem quedas no PS5. A otimização está ótima e não tive nenhum problema com bugs, o que para mim foi o mais impressionante. Estamos falando de um jogo que foi desenvolvido em apenas um ano para seis plataformas diferentes!
Sherlock Holmes: The Awakened segue o padrão dos demais títulos da franquia: é simples, mas suficientemente divertido. Não chegam a ser grandes jogos, mas certamente se destacam em sua principal premissa: o ato de investigar crimes na pele do maior detetive de todos os tempos (e não estamos falando do Batman). Esse aqui ainda tem o diferencial do sobrenatural, então os fãs de Lovecraft também podem gostar de desvendar seus mistérios – ainda que seja um crossover meio tímido e pouco impactante.