Necromante bom é necromante morto, diria a maioria dos jogadores de RPG de fantasia. A desenvolvedora RocketBrush Studio vai na contramão desse pensamento com The Unliving e coloca o jogador no papel do bruxo capaz de ressuscitar cadáveres e conjurar criaturas das trevas para formar seu exército. Essa legião em decomposição irá espalhar o terror entre os vivos e garantir para seu mestre a conquista de seus objetivos.
No papel, o conceito é excelente e bebe na fonte de títulos de gerenciamento de monstros e multidões como Overlord ou Anarcute. A essa abordagem bem bolada é acrescentada uma arte em pixel que cativa em sua riqueza de detalhes e variedade de abominações na tela. Infelizmente, de boas ideias o Inferno está cheio e o título não se decide entre ser um roguelite, um RPG, um jogo de estratégia ou um bullet hell e acaba seno insatisfatório em todas as suas mecânicas.
Novamente, temos um roguelite com uma explicação válida para o infindável ciclo de morte e renascimento: seu protagonista é imortal. Como um lich das trevas, a morte não é um empecilho. Além disso, o necromante está preso em uma espécie de loop temporal, o efeito colateral de um feitiço poderosíssimo que também apagou suas memórias. Recuperar seus poderes máximos, seu exército e suas lembranças formam a linha narrativa dessa aventura, o mesmo motor que nos impulsionou lá atrás em Overlord.
Entretanto, a natureza de um bom roguelite é oferecer ao jogador o mínimo de senso de progressão: cada sessão deve assegurar os recursos para que seu poder aumente e garanta uma sessão mais longa da próxima vez, para assegurar ainda mais recursos e repetir a evolução. É a chave para um bom roguelike. The Unliving, a exemplo de outros jogos do gênero, não desbloqueia novos feitiços de imediato, mas adiciona esses novos feitiços a uma seleção de feitiços que podem ser encontrados aleatoriamente no mapa. Uma vez que a maioria dos feitiços é pouco efetiva, você acumula quinquilharias que só sabotam o poço randômico de onde pode ou não sair algo que impacte o campo de batalha. Ainda que o próprio necromante também possa ter evoluções permanentes, novamente são alterações tão pequenas que cada sessão se torna extremamente parecida com a anterior.
Estratégia pra quê?
Repetir a mesma jogabilidade infinitas vezes e evoluir a conta-gotas nem mesmo seria um problema se essa repetição fosse, pelo menos, divertida, como qualquer jogador de MMORPG conhece muito bem. Sua capacidade de comandar os mortos-vivos nada mais é do que enviá-los nessa ou naquela direção, sem qualquer estratégia estabelecida, formação de batalha ou lógica. Eles são uma turba amorfa, que tende a ficar presa em esquinas do mapa, quanto maior fica.
Se você tiver disposição para micro-gerenciamento, é possível sacrificar alguns soldados para se obter efeitos específicos. Infelizmente, esses efeitos são miúdos demais. O arqueiro, por exemplo, se sacrificado, dispara uma última e poderosa flecha antes de morrer. Faz mais sentido manter o arqueiro vivo pelo tempo que ele tiver disponível do que consumir a unidade para um resultado tão frágil.
Mas, então, por que não sacrificar o arqueiro momentos antes da decomposição final atingi-lo? Com dezenas de mortos-vivos vagando por The Unliving, é praticamente impossível manter os olhos atentos para todos eles e implementar de alguma forma consistente suas habilidades de sacrifício.
Talvez, se o jogo fosse baseado em turnos, ou tivesse um recurso de pausa, sua complexidade pudesse ser melhor explorada. Nesse caso, talvez pudéssemos adicionar posicionamento específico de unidades, colocando arqueiros na retaguarda, infantaria pesada na linha de frente e lobisomens saltando para o meio do inimigo, causando o caos e recuando. Só que aí The Unliving seria outro jogo.
A morte é um alívio em The Unliving
Para complicar a vida(?) de nosso necromante, ele é frágil como os frascos de vidro que formam sua vitalidade. Você desejaria apenas se concentrar na luta, contemplar seus exércitos massacrando os humanos, mas é necessário estar constantemente atento aos ataques inimigos. Uma flechada oportunista, um encantamento mágico e nosso necromante vai se tornando gradativamente mais próximo do fim. Até um camponês pode aparecer e dar um soco bem dado, que consome metade de um dos filactérios que são sua vida. Esquivar-se dos projéteis se torna um exercício de bullet hell frouxo que desvia a atenção da guerra em si.
Embora o jogo incentive o jogador a posicionar o feiticeiro na linha de frente e até mesmo efetuar ataques corpo a corpo, é uma postura suicida que irá apenas encurtar a sessão. O protagonista não tem peso nas escaramuças, é um recurso a ser protegido. Talvez The Unliving fosse um jogo melhor se meu personagem não tivesse presença no campo de batalha, fosse uma mão invisível comandando tudo de sua torre mágica, porém, novamente, aí teríamos outro jogo.
The Unliving promete poder absoluto sobre a vida e a morte, nos entrega feitiços fracos, um necromante fraco e uma jogabilidade ainda mais fraca. Seu principal mérito acaba mesmo na parte visual. Todo o resto decepciona.