Semblance é o projeto de estreia da Nyamakop, uma pequena desenvolvedora de jogos indie sul-africana cujo o nome tem raízes puramente africanas, sendo uma mistura das palavras “nyama” e “kop”, que significam carne em suaíli e cabeça em africâner respectivamente, onde os fundadores queriam mostrar que eles “pensam com o coração”, ou a carne no caso. O jogo começou como o projeto final do curso de design de jogos dos fundadores da desenvolvedora, e surpreendeu os avaliadores que os incentivaram dizendo que o trabalho tinha muito potencial. Curiosamente, um desses avaliadores – e maior incentivador – era Judd Simantov, diretor técnico de personagens de jogos da Naughty Dog, como da franquia Uncharted e de The Last of Us.
Mundo gelatinoso
Depois das origens, agora é hora de falar do jogo. Semblance é um plataforma com elementos de puzzle cujo principal destaque é a possibilidade de deformar os terrenos das fases para avançar, criando assim puzzles elaborados baseados nessa característica. No jogo você controla Squish, uma simpática criaturinha gelatinosa que se parece com um pudim (só que roxo), que precisa impedir uma infestação de matéria cristalina devastar seu mundo. Para isso, ele precisa coletar pedaços da essência de seu próprio mundo espalhados pelos cenários e assim acabar com tal mal.
Começando pelo seu elemento mais chamativo, o fator de deformação presente no título é realmente bastante interessante, apresentando um recurso único ao gameplay – principalmente na elaboração e solução dos puzzles. Squish não possui muitos movimentos, se resumindo a andar para os lados e pular; dessa maneira alcançar itens ou sobrepujar certos obstáculos das fases seria impossível sem a possibilidade de deformar elementos do cenário ou a si próprio. Eventualmente, ele acrescenta a esse repertório limitado a habilidade de deformação, utilizando um tipo de dash e se chocando contra os objetos, mas suas habilidades não passam disso.
Isso nos leva ao primeiro problema: o sistema de colisão, que por vezes acaba sendo frustrante. Em dados momentos, você observa que o personagem pode passar por alguma passagem ou cruzar por um obstáculo mortal, porém ele esbarra e não passa ou acaba morrendo – isso quando ele simplesmente não fica preso no chão ou cai em um infinito branco para fora do cenário, o que foi mais comum do que eu esperava. Tais problemas podem ser corrigidos no futuro com alguma atualização, mas no momento de conclusão desta análise ainda persistem.
O conceito do jogo é relativamente simples no geral, sem nada muito complexo, porém bem aplicados – com comandos simples, pouco texto, sons e arte minimalistas. Os puzzles são realmente bem elaborados e alguns irão demandar certo tempo e raciocínio para serem resolvidos, com sua dificuldade sendo gradualmente mais desafiante na concepção das fases. Apesar disso, o jogo é relativamente curto, o que não deixa a desejar e te faz querer jogar mais. Seu fator replay é até considerável, pois as fases guardam segredos, itens colecionáveis e passagens secretas à serem exploradas que irão requerer mais algumas horas de jogatina para serem descobertas.
Ainda que conte com poucos movimentos e controles simples, jogar no teclado pode ser um pouco frustrante. Minha recomendação é jogar com um bom e velho controle e seu belo D-Pad à disposição. Apesar de contar com um pequeno tutorial inicial dos controles e das habilidades principais do personagem, a maneira como o jogo te ensina a superar os desafios é realmente bem intuitiva, na tentativa e erro, lembrando a curva de aprendizagem utilizada em clássicos como Mario Bros. É uma solução bastante elegante e que não trata o jogador como um inepto, apresentando mínimos ou nenhum texto durante todo o gameplay e indo direto pra ação. O jogo também não apresenta muitos menus em sua interface, se limitando apenas ao de pausa – ponto positivo pelo fato de ele estar totalmente em português.
As fases são dispostas ao longo do terreno de cada ambiente, que podem ser acessadas através de portais em determinadas árvores destacadas em sua extensão. Nesse ponto o jogo ganha um elemento comum em títulos do gênero metroidvania: a livre exploração de todo o cenário sem uma linearidade de conclusão das fases. Você pode acessar qualquer fase a qualquer momento e a conclusão delas se baseia na coleta de esferas elementais distribuídas pelas mesmas, mas não é necessário coletar todas para poder chegar ao final delas, podendo sair e voltar a qualquer momento.
Quando menos é mais
O estilo artístico de Semblance é minimalista, sem muitos detalhes, porém apresenta um visual bem agradável com cores em tons pastéis. Isso é bastante perceptível, a começar por nossa carismática gelatina/pudim ambulante, mas também em seus cenários e elementos que os adornam como plataformas, vegetação etc. Apesar de simples, os ambientes são ricos e diversificados, com elementos e cores distintos para cada mundo, além de bem povoados, com diversas criaturas um tanto quanto curiosas habitando as fases.
Assim como sua arte, a trilha sonora também é minimalista, mas apresenta elementos da cultura africana em sua composição. Como apresentado anteriormente, seus criadores queriam colocar algum detalhe dentro do jogo que remetesse ao seu país de origem, e dessa forma a trilha sonora foi contemplada com isso. Os efeitos sonoros por outro lado são quase ausentes ou muito sutis, e as vezes senti falta de um pouco mais de reação sonora durante o gameplay.
Semblance é um jogo que apresenta um conjunto de elementos muito interessantes, com arte minimalista, conceito de jogo simples mas bem executado, comandos mínimos, puzzles bem elaborados e principalmente o fator de deformação que faz com que tudo isso se encaixe e o torne único. Se você está procurando por uma experiência diferenciada e/ou gosta de experimentar jogos com ideias diferentes, com certeza este jogo deve ser considerado.