O framerate não deve chegar a 20 FPS, mesmo com tudo na configuração gráfica mais baixa. Mas o jogo não espera por mim e antes que eu me dê conta, sou jogado no meio de uma praia, sem a chance de escolher onde vou cair, porque meu PC nem carregou a animação do helicóptero. Estou do lado de um machado largado no chão e um mamão. Há outros nove jogadores na mesma ilha que eu, com computadores melhores, conexões melhores e instintos melhores. E ainda assim, consigo minha primeira vitória na vida em um jogo Battle Royale. Como isso foi possível?
SOS nasceu com uma proposta diferenciada: unir a estética dos Reality Shows com os jogos eletrônicos. Seria o ápice de uma tendência que quase deu certo se não tivesse esbarrado nos PUBG e Fortnites da vida. Seria a ponta da lança de uma plataforma de mídia que poderia ter revolucionado a indústria dos jogos eletrônicos. Agora, é mais um battle royale caindo de paraquedas entre os lobos que já dominam o território.
Originalmente, o jogo permitiria a formação de alianças entre os jogadores e as inevitáveis apunhaladas pelas costas. Esse clima de tensão, de falsa cooperação e o fino equilíbrio entre carisma e trairagem era um dos principais atrativos nos primeiros meses de vida de SOS e atraiu uma plateia de jogadores sedentos por novidade. Mesmo assim, não alcançou a audiência que merecia e seus desenvolvedores resolveram aproveitar que o título se encontra em Acesso Antecipado para dar uma de Epic Games: transformar seu jogo em uma carnificina sem sentido. Agora, ninguém é de ninguém na ilha abandonada. Sem monstros, sem apunhaladas, sem objetivos, sem regras. Apenas 32 jogadores, um punhado de armas e um vencedor.
Exceto que 32 jogadores são mito. Os jogadores tradicionais do antigo SOS rejeitaram a mudança. Os novos jogadores não chegaram. A partida mais cheia que participei tinha 20 participantes e aconteceu durante um final de semana com o jogo liberado de graça no Steam. A média de jogadores que encontrei foi 8, mas também disputei rodadas com 5 e até mesmo quatro. O mais triste battle royale de todos.
Crônica do machado
Éramos dez naquela primeira noite. Era a primeira vez que testava o novo modo. Foram seis minutos de espera, para um jogo de gato e rato que se encerrou em menos de cinco.
Quis o destino que eu estivesse quase sempre dentro da zona segura do jogo quando o campo de força encolhia. O destino também quis que eu não encontrasse outra arma além do machado inicial. Como um covarde, me escondia e apenas acompanhava os tiros à distância e a listagem de abates aparecendo na tela. A adrenalina zumbia nos meus ouvidos enquanto eu me agachava no mato alto e torcia para nunca ser visto.
O número de jogadores caiu para 8 sem que eu nem visse, depois 7. Suava frio. Éramos seis. Éramos cinco. Quando caiu para somente três, me dei conta que em todo o mapa só havíamos eu e outros dois jogadores, sabe-se lá de que canto do mundo ou língua. Não há chat algum em SOS, outro recurso removido na transição para battle royale, apenas o silêncio da mata e o ocasional matraquear de armas pesadas.
Quando o círculo se fechou por uma última vez, sabia que era matar ou morrer. Minha experiência com outros jogos do gênero me dizia que certamente era “morrer”. Minha cautela me mandou atravessar um pequeno trecho de mar até a próxima praia segura. Nem sabia se a água matava ou não. Cruzei e cheguei na praia pelo flanco. Na frente, vi um dos jogadores metralhar implacavelmente outro que vinha por uma ponte. Éramos, assim, apenas eu e outro ser humano. Uma sensação primal se apossou de mim e fui me esgueirando pelo capim com o machado erguido. SOS havia me avisado que sustentar uma arma branca no ar aumenta o seu dano.
Fui pelas costas do sujeito e desci o machado. Cada músculo do meu corpo relaxou enquanto a tela congelava no meu momento e me declarava vencedor. Demorei um tempo para entender que, se não apertasse o botão de Leave Match, ficaria ali para sempre.
Fruto do acaso?
É um breve relato mas ilustra um dos principais problemas de SOS (e, por extensão, de todo o gênero). Um sujeito com um machado pode roubar no segundo final a vitória de quem jogou com precisão durante todo o resto do tempo. O acaso de estar no lugar certo na hora certa, junto à baixa resistência dos oponentes, mesmo de quem está com colete e capacete, significa que todo o preparo de longos minutos pode ser destruído por um novato de sorte com uma arma branca.
Em contrapartida, pode-se dizer também que isso ilustra uma das principais qualidades de SOS (e novamente, por extensão, de todo o gênero). Na hora da onça beber água, somos todos iguais, do sujeito com a arma automática até o jogador desesperado. Em outras partidas, fui morto com sopapos, atingido por um mamão (!), metralhado, sufocado pela névoa tóxica do outro lado do campo de força e, sim, acertado também por um machado. Coube a SOS também minha segunda vitória em um título do gênero, novamente mais por força da sorte do que da habilidade.
Acredito que seja esse aspecto randômico que nos faça voltar, como uma grande “loot box” – o que não deixa de ser verídico, já que o jogo coloca na sua frente uma fileira de caixas escondidas que podem guardar grandes armas e uma proteção corporal, ou apenas munição para armas que você nunca vai encontrar. Ou talvez seja a crença cega em nossa perícia, a certeza de que somos especiais e merecemos ser o último de pé na dança da morte.
Se nesses aspectos SOS não decepciona, como explicar sua carência de jogadores? O pico de participantes hoje foi de 47, de acordo com os dados do Steamcharts. Não é um número ruim, se considerarmos que bastam 32 para lotar uma partida. Mas é uma fração minúscula dos 100 desafiantes que preenchem uma partida de Fortnite a todo minuto, por exemplo. Volto a repetir: em minha experiência, nos servidores norte-americanos, 20 foi o máximo de participantes simultâneos que vi e o jogo estava gratuito no dia.
Fugindo da ilha
SOS não traz nem a ampla seleção de armas de fogo que beira o fetiche do antigo líder de mercado e tampouco o clima descontraído e de escracho do atual líder. Mas você pode matar uma pessoa com um mamão e a paisagem da ilha é um sopro de criatividade, com templos em ruínas, acampamentos abandonados, praias paradisíacas e rios caudalosos. Ainda assim, os jogadores não atendem ao seu chamado.
Seriam seus pesados requisitos técnicos? Para entregar um inferno tropical, o jogo exige muito. Por muito pouco, meu PC não aguenta, uma máquina que não teve dificuldades para rodar títulos mais populares. Seria a conectividade? Se há lag, não percebi e, quando a partida realmente começa, não é isso que me afasta da vitória.
Reclama-se do mar de mesmice que assola a indústria, dos infinitos ‘battle royales’. Mas rejeitaram SOS quando ele era diferente e o game se adaptou para tentar sobreviver. O título ainda carrega resquícios de sua malfadada fase de reality show, como personagens diferenciados e customizáveis para gerar simpatia e emotes que não fazem diferença quando as balas estão voando. Seu cenário habilmente construído remonta a uma época em que as pessoas andavam por aqui com objetivos mais claros, assim como as mensagens de que há uma audiência observando. Mas não há mais ninguém. O palco está armado, mas os atores faltaram.
Despeço-me de SOS pela última vez. Novamente, sou obrigado a descer o machado no processo no Gerenciador de Tarefas do Windows, porque o jogo se recusa a devolver a memória roubada.