Quando a Pixar apareceu, rapidamente seus filmes ganharam uma fama (total e absolutamente merecida) de serem filmes com “camadas” – em outras palavras, que tinham vários níveis de entendimento. Uma criança desfrutaria da história básica simples, e os adultos entenderiam o subtexto mais complexo e desfrutariam como se não fosse um filme para crianças. Sem contar os personagens tridimensionais – só temos que ver que é muito difícil encontrar um “vilão” como tal nos filmes da Pixar.
Agora, como vocês sabem (ou deveriam saber), a Pixar foi comprada pela Disney. Com isso, depois de brilhar como uma supernova com Toy Story 3, a Pixar caiu no mais fundo dos abismos com aquela aberração chamada Cars 2. Brave restaurou algo do brilho, adoro esse filme, mas sem dúvida é uma obra menor.
No entanto, aparentemente a Disney, tal qual um vilão de quadrinhos, absorveu os poderes da Pixar. A mostra disso é Detona Ralph (Wreck-It Ralph), um filme que entraria facilmente no top 3 do estúdio de Emeryville.
*** ATENÇÃO! Esta coluna pode conter alguns pequenos spoilers. Leia por sua conta e risco, se vier reclamar depois não estou nem aí. ***
Ralph é o vilão de um arcade estilo Donkey Kong chamado “Fix-it Felix Jr.” No entanto, ele está cada dia mais insatisfeito com a maneira como ele é tratado (afinal de contas, ele é o vilão). No dia do aniversário de 30 anos do jogo, os outros personagens fazem uma festa e não o convidam. Ele invade a festa e, depois de uma discussão, resolve sair do seu jogo e buscar uma medalha de herói para demonstrar aos outros como ele pode ser algo mais que um malvado.
A história básica, como vocês podem ver, não é nada do outro mundo. Mas, até aí, não era tampouco em vários dos melhores filmes da Pixar. O que mudava sempre era o pano de fundo: brinquedos que só estão vivos fora da visão das pessoas, monstros que assustam as crianças para conseguir energia… Coisas que todo mundo podia entender, e que serviam para criar um sub-texto na história. Aqui a idéia é que os personagens dos diversos jogos de um arcade podem se relacionar. Para isso, cada um dos diversos arcades tem um túnel ou trenzinho que os leva até a estação central, que é… a extensão elétrica onde estão ligados todos os arcades.
Uma idéia genial, mas que eu não vejo como sendo para qualquer adulto. As crianças obviamente vão gostar da história, dos personagens e dos visuais (a parte do FPS “Hero’s Duty” é algo dark, mas dura pouco). Mas adultos que não estejam iniciados na sub-cultura videogamística com certeza não vão achar graça no filme; não vão capturar a reflexão sobre como os videogames funcionam; como os personagens podem morrer e imediatamente ressucitar (a não ser fora de seus jogos), como há décadas trabalhamos com um maniqueísmo absoluto e não nos importamos com isso, como um glitch pode ser o equivalente a uma deficiência física ou mental (e todo o preconceito que pode vir associado a isso), como diabos é possível que controlemos um personagem vivo com uma alavanca e uns botões (especialmente em um FPS, inclusive um on rails) e várias outras coisas.
Mas, considerando que este é um site de sub-cultura videogamística, posso ignorar isso. Detona Ralph é uma declaração de amor aos videogames – e, mais ainda, aos velhos arcades, aqueles lugares onde íamos passar a tarde jogando games criados para comer nossas fichas com visuais coloridos, músicas grudentas e dificuldade absurda. É um pouco estranho que nos dias de hoje exista um arcade que ainda está cheio como o do filme (e tem que ser nos dias de hoje, porque afinal de contas “Fix-It Felix Jr.” faz 30 anos), e que ainda por cima o dono deixe as máquinas todas ligadas durante a noite (o que é essencial para a premissa básica do filme), mas isso é desculpável depois de todas as referências e piscadas de olho que o filme joga para os gamers.
Na primeira vez que vemos um personagem que não seja Ralph (na reunião de apoio para vilões de jogos, que é realizada… na sala do centro do labirinto de Pac-Man!), um gamer digno das suas calças já vai ficar com vontade de pular na cadeira, ao ver M. Bison, Zangief, Kano, Bowser (tomando um café com leite!), um zumbi genérico (mas obviamente retirado de The House Of The Dead), um dos fantasmas de Pac-Man e até o rinoceronte de Altered Beast sentados discutindo que não está mal ser um vilão. E depois, claro, só melhora: os personagens secundários do jogo de Ralph estão pouco definidos no jogo (claro, apenas Ralph e Felix, o herói, têm destaque e estão bem definidos); logo, eles são animados com menos frames! A mesma coisa acontece com o barman de Tapper (onde os personagens vão pra tomar umas depois do expediente), que está animado com poucos frames no jogo e também no filme. Não parei de ver como Sonic aparecia em um vídeo de utilidade pública na estação central, como Q-Bert e os vilões de seu jogo eram mendigos (porque tiveram que abandonar seu arcade quando ele foi desligado), as aparições de fundo de tela de Chun-Li, Cammy, Dig Dug e muitos outros, as pichações (“LEEEEEROY JEEEEEENKINS”, “Sheng Long was here”, “Aerith is alive”, “All your base are belong to us”), o Konami Code, a referência a Metal Gear Solid… O Blu-Ray, com seu extra de trivia já anunciado, é uma compra mais que obrigatória – mas eles simplesmente estão OBRIGADOS a colocar os comerciais estilo anos 1980-1990-2010 que fizeram para os games do filme (procurem no YouTube por “Litwak’s Arcade”).
Como nota, não posso deixar de mencionar o curta que vem junto com o filme, Paperman. Absolutamente fantástico. Como mencionado em várias críticas, favorito absoluto ao Oscar de sua categoria.
Ah sim. para terminar, um aviso: permaneçam até o final. Depois dos créditos, há uma última referência – e essa, só os verdadeiramente iniciados saberão do que se trata…